O Impacto do Amor que Edifica a Igreja Filemom 1.7
Comentário Bíblico
“7 Porque temos grande gozo e consolação do teu amor, porque por ti, ó irmão, as entranhas dos santos foram recreadas.” Filemom 1:7
1. INTRODUÇÃO
Chegamos agora ao clímax da seção de ação de graças da epístola. O versículo 7 funciona como uma ponte, concluindo a celebração do caráter de Filemom e, ao mesmo tempo, estabelecendo o fundamento emocional e relacional para o apelo que Paulo está prestes a fazer. Este não é um mero exagero retórico; é o testemunho sincero do impacto que a vida de um crente fiel pode ter, mesmo a distância. Paulo detalha aqui o efeito pastoral do amor de Filemom, mostrando que a piedade genuína nunca é um ato isolado, mas sempre reflete e abençoa o Corpo de Cristo.
Este versículo, vibrante de afeto, desdobra-se em partes interdependentes que revelam a dinâmica do encorajamento cristão. Primeiramente, analisaremos a reação de Paulo, desmembrando seus dois componentes: o “grande gozo” e a profunda “consolação” que ele experimentou. Em seguida, mergulharemos na causa dessa reação, o ministério específico de Filemom: “porque por ti, ó irmão, as entranhas dos santos foram recreadas“.
O objetivo principal deste artigo é demonstrar que Filemom 1:7 apresenta o amor cristão não como apenas um sentimento, mas como uma força ativa de restauração e refrigério para a igreja. Argumentaremos que o verdadeiro amor (agapē) produz um efeito multifacetado: gera uma alegria espiritual profunda (“gozo”), oferece um encorajamento fortalecedor (“consolação”) e proporciona uma renovação vital aos seus beneficiários diretos (“recreando as entranhas”), estabelecendo, assim, um modelo de ministério que Paulo agora desafiará Filemom a estender ao seu mais novo “irmão”, Onésimo.
2. “GRANDE GOZO… DO TEU AMOR”: A ALEGRIA PASTORAL NA FIDELIDADE DO REBANHO
A primeira reação de Paulo ao relatório sobre Filemom é “grande gozo“, do grego charis (χαρις – charis). Este termo é central na teologia do Novo Testamento e precisa ser distinguido da felicidade circunstancial. Charis é uma alegria profunda, estável e espiritual, que emana de Deus e é listada como um fruto do Espírito Santo (Gálatas 5:22). É uma alegria que pode coexistir com o sofrimento, como a própria situação de Paulo (um prisioneiro) demonstra vividamente.
A fonte específica deste gozo é “o teu amor“. A alegria de Paulo não era egocêntrica. Sua felicidade não derivava de seu próprio conforto ou bem-estar, mas da saúde espiritual de seus filhos na fé. Ver o amor de Filemom em ação era, para Paulo, uma prova tangível da eficácia do evangelho e da obra genuína do Espírito na vida de seu discípulo. O apóstolo João expressa um sentimento idêntico: “Não tenho maior gozo do que este: o de ouvir que os meus filhos andam na verdade” (3 João 4).
Portanto, o “gozo” aqui é a alegria de um semeador que vê a semente do evangelho não apenas brotar, mas dar frutos abundantes de amor na vida de outro. Além disso, esta alegria é um poderoso testemunho da natureza comunitária da nossa fé: o progresso espiritual de um membro torna-se fonte de alegria para todos os outros, especialmente para aqueles que investiram em sua vida.
3. “…E CONSOLAÇÃO DO TEU AMOR”: O ENCORAJAMENTO QUE SUSTENTA NA ADVERSIDADE
Ao lado do gozo, Paulo experimentou “consolação“, do grego paraklesis (παρακλησις). Esta palavra é rica e multifacetada, significando “encorajamento“, “conforto“, “exortação” e “fortalecimento“. É o mesmo termo usado para descrever o ministério do Espírito Santo, o Paraklētos (Consolador, Ajudador). O amor de Filemom não apenas trouxe alegria a Paulo, mas também o fortaleceu em meio às suas próprias tribulações na prisão.
Esta “consolação” revela a reciprocidade do ministério cristão. Embora Paulo fosse o mentor e pai espiritual, ele próprio era encorajado e sustentado pela fidelidade de seus discípulos. O amor de Filemom em ação serviu como um lembrete para Paulo de que seu trabalho não era em vão (cf. Filipenses 2:16) e que o poder do evangelho estava verdadeiramente operando nas igrejas. Saber que a comunidade em Colossos estava saudável e sendo bem cuidada por homens como Filemom aliviava o fardo da “preocupação com todas as igrejas” que pesava sobre o apóstolo (2 Coríntios 11:28).
Desse modo, somos chamados a ser agentes de “paraklesis” uns para os outros. Nossos atos de amor, fidelidade e serviço não apenas abençoam o destinatário direto, mas também enviam ondas de encorajamento por todo o Corpo de Cristo, fortalecendo aqueles que estão cansados, desanimados ou passando por provações. O seu amor em ação hoje pode ser a força que um irmão distante precisa para continuar a jornada amanhã.
4. “…PORQUE POR TI, Ó IRMÃO, AS ENTRANHAS DOS SANTOS FORAM RECREADAS”: O MINISTÉRIO DO REFRIGÉRIO
Aqui, Paulo explica a razão de sua alegria e consolação, detalhando o ministério específico de Filemom. A expressão “as entranhas dos santos foram recreadas” é vívida e profundamente significativa. “Entranhas“, do grego splagchnon (σπλαγχνον), refere-se aos órgãos internos e era considerada pelos antigos a sede das emoções mais profundas. É o equivalente hebraico do “coração”. A palavra “recreadas“, anapepautai (ἀναπέπαυται), significa “revigoradas“, “renovadas“, “aliviadas“, “trazidas a um estado de repouso e refrigério“.
A imagem é poderosa: o amor prático de Filemom — provavelmente através de sua hospitalidade e generosidade — tinha o efeito de um oásis no deserto para os crentes de Colossos. Ele não apenas ajudava externamente; ele revigorava o núcleo mais profundo do ser deles. O uso do vocativo afetuoso “ó irmão” (adelphe) reforça a conexão pessoal e prepara o terreno para a posterior designação de Onésimo como um “irmão amado” (v. 16).
Contudo, Jesus é o modelo supremo deste ministério. Ele convida: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28). Ao “recrear as entranhas dos santos“, Filemom estava agindo como um agente de Cristo, mediando o refrigério do próprio Senhor para a Sua Igreja. Desse modo, este ministério do refrigério é o teste final para Filemom: ele, que tem sido um alívio para tantos, estenderá essa mesma graça a Onésimo?
5. CONCLUSÃO
Em síntese, a análise de Filemom 1:7 demonstra que o amor cristão é uma força dinâmica com um impacto multifacetado. Ele produz um efeito indireto, gerando um gozo espiritual profundo e uma consolação fortalecedora naqueles que testemunham sua prática. Assim, e, mais importante, ele tem um efeito direto, o de “recriar as entranhas dos santos”, trazendo refrigério e renovação vital à comunidade da fé.
Portanto, este versículo conclui a preparação magistral de Paulo. Ele estabeleceu Filemom como um homem cujo amor já era uma fonte de bênção para toda a igreja. Além disso, agora, o apóstolo está perfeitamente posicionado para fazer seu apelo, convidando Filemom a ser consistente com seu próprio caráter e a estender seu ministério de refrigério à pessoa que, humanamente falando, menos o merecia. Que sejamos, como Filemom, conhecidos como aqueles que, por nosso amor em ação, trazem alívio e renovação aos corações cansados, para a glória de Cristo.
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